quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Soletram versos, as meninas

Dorme a cidade
Resta um coração
Misterioso
Faz uma ilusão
Soletra um verso
Larga a melodia
Singelamente
Dolorosamente
Doce a música
Silenciosa
Lava o meu peito
Solta-se no espaço
Faz-se certeza
Minha canção
Réstia de luz
onde dorme meu irmão

Os lábios dela se mexem com delicadeza tentando acompanhar a letra que escuta pela primeira vez. No colo materno, ainda enrolada na toalha, agasalha-se no abraço, aconchega-se e deixa-se envolver pela música...sente-se confiante para imitar a mãe. Esta por alguns segundos permanece distraída em seus devaneios, ali, cabeça encostada na parede, sentada numa cadeira de plástico, olha o teto frio do banheiro...todavia sua voz canta a doçura daquele momento, sem ainda saber que a menina no seu colo também canta, e que distraída ela também está, e que devaneios talvez ela também os tenha...
...a menina se perde no imaginar a canção, solta-se no espaço silencioso, soletra um verso para o coração que restou. Faz-se certeza, ainda que momentâneamente. Ainda que dolorosamente. Ainda que singelamente, lava o seu peito.
Sim, a menina no seu colo canta. Como se escutasse a música pela primeira vez.
E sorriem as meninas. Desfaz-se uma ilusão.
Ali agasalhada no abraço da filha, a mãe aconchega-se também e percebe que as meninas sentadas no seu colo tentam cantar palavras que desconhecem...ainda.


(esse momento aconteceu de verdade, hoje, não é criação poética, imaginação...tentei transmitir um pouco da beleza de um instante de mãe e filha, instante imerso na rotina..no som tocava "dorme a cidade" do disco "os saltimbancos" e, quando me sentei para esperar um pouco, antes de sair do banheiro - costumo fazer isso, para ficar um tempo agarradinha com ela, só nós duas, e também para evitar correntes de ar, me sento numa cadeira de plástico que temos no banheiro - e parei para escutar a música, e cantei, de repente percebi que maitê estava quietinha tentando cantar também, em silêncio..eu tentando significar aquelas palavras e ela modelar com a boca o som que escutava...e percebi que éramos meninas, saboreando sentidos e descobertas).

Nenhum comentário: