quarta-feira, 17 de outubro de 2007

não há ninguém no jardim
não há luar, nem jasmins:
jardins não há também

sumiram todos os ventos (e ventres),
e os rabiscos da vida, e a taça do vinho.
não há caminho:

- tu, por onde vens?!

(Marcos Caiado - in http://www.marcoscaiado.blogger.com.br/)

Por que a gente faz um blog? Sei lá, vontade de pôr as idéias pra fora, como se só assim, vendo-as escritas e desnudas, elas perdessem um pouco da alma de fantasma. Porque têm idéias e pensamentos e sentimentos que são encostos, fantasmas que não nos deixam um só minuto, que volta e meia aparecem pra pôr medo na gente...já falei de medo aqui, acho que medo é um dos fantasmas mais perigosos e traiçoeiros...mais até que o ciúme...ouvi uma frase dia desses, atribuída, se não me engano a Galileu Galilei: "Nosso inimigo é sempre do tamanho do nosso medo". Perfeito.
Por isso tantas vezes nos tornamos inimigos de nós mesmos, com medo de tentar, medo de arriscar, medo de mudar. Rubem Alves tem uma metáfora belíssima sobre a recusa de mudar. Diz que pessoas assim, são que nem piruás. "Piruá é a pipoca que se recusou a estourar (...). O destino delas é triste, vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia, deliciosa de ser comida com um salzinho (...)". Mas o que mudar, o que em nós, seres tão delicados, precisa ser afinado, reajustado para manter uma vibração interior tão intensa que nos permita florescer em branco macio - ainda que com alguma casca, resquício do milho duro, que faça alguém engasgar ? O quê?
Quem talvez nos dê pistas são os outros, mas daí a pertinência da metáfora de Rubens: os outros comem a pipoca macia, se deliciam com uma pessoa feliz em flor, mas há de não se recusar a transformar-se diante da panela quente, que impulsiona o milho para fora de si mesmo. Que impulsiona o milho para fora de si mesmo... há de nos permitirmos a entrega à alta temperatura, ainda que por vezes incômoda. Os outros nos dão pistas, cabe a nós pescá-las, sensivelmente, para não sobrarmos como o milho queimado no fundo da panela, para o qual o fim é o lixo.
Interessante que me veio à mente agora outra passagem que li num livro. Dessa vez as palavras vêm de Dalai Lama, em "Uma Ética para o novo milênio": "Supomos hoje que, pelo fatos de os outros (pessoas distantes, visinho, mendigo, refugiado do outro lado do planta) não serem importantes para a minha felicidade, a felicidade deles passa a não ser importante pra mim". Não sei exatamente o que me levou até esse trecho agora, talvez o fato de que a minha felicidade depende da felicidade daqueles que me são caros, e isso é óbvio, mas também de todo mundo. Literalmente.
Hoje me sinto só, em estado de ebulição. Milho duro com potencial de virar pipoca. Basta que eu me deixe esquentar, que me entregue ao desconforto da dor, e faça dela a energia necessária para eu estourar de alegria, pulando feito pipoca no fundo da panela. Basta só isso. Basta aprender. Basta sentir. Basta deixar-se mudar. E então saberei responder com delicadeza à pergunta do poema - "e tu, por onde vens?", tendo retomado de novo a certeza sincera de que a vida é uma grande brincadeira.

2 comentários:

Trilha Zero Consultoria disse...

Olá Gleice, adorei seu último texto. Muito legal os comentários da metáfora da pipoca, não conhecia e me identifiquei bastante. beijos
nelsinho

gleice disse...

Oi, Nelson, realmente essa metáfora é ótima e dá pano pra manga...vamos conversar mais sobre mudança, piruá, pipoca..rs.

Bjo!